Odres velhos

Disseram-lhe eles: Os discípulos de João e bem assim os dos fariseus frequentemente jejuam e fazem orações; os teus, entretanto, comem e bebem. Jesus, porém, lhes disse: Podeis fazer jejuar os convidados para o casamento, enquanto está com eles o noivo? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo; naqueles dias, sim, jejuarão. Também lhes disse uma parábola: Ninguém tira um pedaço de veste nova e o põe em veste velha; pois rasgará a nova, e o remendo da nova não se ajustará à velha. E ninguém põe vinho novo em odres velhos, pois o vinho novo romperá os odres; entornar-se-á o vinho, e os odres se estragarão. Pelo contrário, vinho novo deve ser posto em odres novos [e ambos se conservam]. E ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo; porque diz: O velho é excelente – Lc 5.33 a 39

 

INTRODUÇÃO

  • Uma mensagem dividida em duas partes.
  • Uma mensagem voltada à autoavaliação de nossa caminhada cristã como igreja e como seguidores de Jesus Cristo – o “vinho novo de Deus”.

SOBRE ODRES E VINHOS:

Russel N. Champlin em seu Novo Testamento Interpretado (NTI) comenta:

ODRES – Refere-se a recipientes de couro, geralmente de pele de cabras em que a parte grosseira ficava para o lado de dentro. Se os odres fossem velhos, o vinho novo, ao fermentar, poderia — rasgar o couro — por causa da força da expansão dos gases. […] O antigo sistema religioso se caracterizava pela tristeza e pela humildade (e o jejum era uma justa lembrança ou símbolo dessa espécie de religião); e essa forma não deve ser confundida com a livre expressão da nova forma, para que não lhe sirva de obstáculo. A nova forma deve estar isenta de ritualismo e de outros elementos tendentes a depressão, e não a liberdade. Alguns pensam que Jesus simplesmente quis ensinar que os dois aspectos, o antigo e o novo, não devem ser confundidos. Porém, tanto neste caso como em outros, podemos afirmar que Jesus mostrou pouca paciência com essas formalidades religiosas, não se podendo negar que sua religião não inclui essas formalidades como elemento importante. Jesus não era asceta como os fariseus ou os seguidores de João Batista, e não misturaria o ascetismo com a liberdade espiritual da revelação que trouxe. O VINHO novo é ativo, dotado de características fortes, expansivas; assim sendo, um odre velho, depois de usado e ressecado, por ser frágil, e quebradiço, não podia mais ser usado para guardar vinho novo, pois arrebentaria. Esses são símbolos instrutivos, que expressam as diferenças entre a nova religião de Jesus, e a antiga religião do V.T. A nova e viva, expansiva, livre de cerimônias; a antiga era sobrecarregada de tradições e formalidades, sendo-lhe impossível expandir-se para conter a nova. (1995, Vol. 1, p. 352)

 

 

Contexto do Texto – A questão do Jejum

Houve uma discussão entre os discípulos de Jesus e os discípulos de João a respeito da prática de jejuar em determinadas ocasiões. Tanto os discípulos de João como os fariseus jejuavam com certa regularidade. Os discípulos de Jesus por outro lado, não jejuavam.

Indagados a respeito da razão eles não sabiam o que dizer. Daí a intervenção de Jesus a favor deles.

Jesus, porém, lhes disse: Podeis fazer jejuar os convidados para o casamento, enquanto está com eles o noivo? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo; naqueles dias, sim, jejuarão – Lc 5.34 e 35

Essa controvérsia deu ocasião a que Jesus contasse duas parábolas similares:

  1. Vestes e remendos – Lc 5.36
  2. Odres e vinhos – Lc 5.37

Em ambas há coisas que são ditas velhas e coisas novas: Remendo novo em vestes velhas e vinho novo em odres velhos.

 

VELHOS ODRES VELHOS

O Judaísmo dos dias de Jesus Cristo – Período Interbíblico – Enéias Tognini

  1. Reformas religiosas promovidas por Esdras, Neemias, Ageu e Zacarias
  2. Reformas religiosas promovidas pelos Macabeus
  3. Origens do Escribismo e do Farisaísmo

 

  • VELHAS PRÁTICAS

O Judaísmo dos dias de Jesus tinha práticas que possuíam elementos incompatíveis com a fé cristã:

  • Exterioridades:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, mas estes, por dentro, estão cheios de rapina e intemperança! Fariseu cego, limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo! Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia! Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniquidade – Mt 23.25 a 28

  • Ritualismo:

Então, vieram de Jerusalém a Jesus alguns fariseus e escribas e perguntaram: Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos, quando comem. Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? […] Hipócritas! Bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens – Mt 15.1 a 3 e 7 a 9

  • A religião da morte que resiste ao Espírito de vida:

Ora, ensinava Jesus no sábado numa das sinagogas. E veio ali uma mulher possessa de um espírito de enfermidade, havia já dezoito anos; andava ela encurvada, sem de modo algum poder endireitar-se. Vendo-a Jesus, chamou-a e disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade; e, impondo-lhe as mãos, ela imediatamente se endireitou e dava glória a Deus. O chefe da sinagoga, indignado de ver que Jesus curava no sábado, disse à multidão: Seis dias há em que se deve trabalhar; vinde, pois, nesses dias para serdes curados e não no sábado. Disse-lhe, porém, o Senhor: Hipócritas, cada um de vós não desprende da manjedoura, no sábado, o seu boi ou o seu jumento, para levá-lo a beber? – Lc 13.10 a 15

Noutros textos:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque edificais os sepulcros dos profetas, adornais os túmulos dos justos e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas! Assim, contra vós mesmos, testificais que sois filhos dos que mataram os profetas. Enchei vós, pois, a medida de vossos pais. Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno? Por isso, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade; para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar – Mt 23.29 a 35

Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus – Jo 5.18

Passadas estas coisas, Jesus andava pela Galileia, porque não desejava percorrer a Judéia, visto que os judeus procuravam matá-lo – Jo 7.1

 

  • VELHAS BASES

As velhas práticas estavam fundamentadas em velhas bases, velhas noções que norteavam o relacionamento deles com Deus e a Palavra de Deus.

  • O engano da justiça-própria:

Sais ao encontro daquele que com alegria pratica justiça, daqueles que se lembram de ti nos teus caminhos; eis que te iraste, porque pecamos; por muito tempo temos pecado e havemos de ser salvos? Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um vento, nos arrebatam – Is 64.5 e 6

Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado – Lc 18.9 a 14

  • Misericórdia e não sacrifícios:

Partindo Jesus dali, viu um homem chamado Mateus sentado na coletoria e disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu. E sucedeu que, estando ele em casa, à mesa, muitos publicanos e pecadores vieram e tomaram lugares com Jesus e seus discípulos. Ora, vendo isto, os fariseus perguntavam aos discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Mas Jesus, ouvindo, disse: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos; pois não vim chamar justos, e sim pecadores [ao arrependimento] – Mt 9.9 a 13

  • O equívoco do legalismo:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas! Guias cegos, que coais o mosquito e engolis o camelo! – Mt 23.23 e 24

 

  • VELHA MENTALIDADE

Havia entre eles uma velha mentalidade.

  • Templismo – Jeremias denunciou essa mentalidade em seus dias:

Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: Emendai os vossos caminhos e as vossas obras, e eu vos farei habitar neste lugar. Não confieis em palavras falsas, dizendo: Templo do SENHOR, templo do SENHOR, templo do SENHOR é este. Mas, se deveras emendardes os vossos caminhos e as vossas obras, se deveras praticardes a justiça, cada um com o seu próximo; se não oprimirdes o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, nem derramardes sangue inocente neste lugar, nem andardes após outros deuses para vosso próprio mal, eu vos farei habitar neste lugar, na terra que dei a vossos pais, desde os tempos antigos e para sempre. Eis que vós confiais em palavras falsas, que para nada vos aproveitam. Que é isso? Furtais e matais, cometeis adultério e jurais falsamente, queimais incenso a Baal e andais após outros deuses que não conheceis, e depois vindes, e vos pondes diante de mim nesta casa que se chama pelo meu nome, e dizeis: Estamos salvos; sim, só para continuardes a praticar estas abominações! Será esta casa que se chama pelo meu nome um covil de salteadores aos vossos olhos? Eis que eu, eu mesmo, vi isto, diz o SENHOR – Jr 7.3 a 11

  • Circuncisão – Paulo esclarece a questão:

Porque a circuncisão tem valor se praticares a lei; se és, porém, transgressor da lei, a tua circuncisão já se tornou incircuncisão. Se, pois, a incircuncisão observa os preceitos da lei, não será ela, porventura, considerada como circuncisão? E, se aquele que é incircunciso por natureza cumpre a lei, certamente, ele te julgará a ti, que, não obstante a letra e a circuncisão, és transgressor da lei. Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é somente na carne. Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus – Rm 1.25 a 29

A circuncisão, em si, não é nada; a incircuncisão também nada é, mas o que vale é guardar as ordenanças de Deus – 1Co 7.19

Pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura – Gl 6.15

  • Hipocrisia:

Posto que miríades de pessoas se aglomeraram, a ponto de uns aos outros se atropelarem, passou Jesus a dizer, antes de tudo, aos seus discípulos: Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia – Lc 12.1

Na cadeira de Moisés, se assentaram os escribas e os fariseus. Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem. Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los. Praticam, porém, todas as suas obras com o fim de serem vistos dos homens; pois alargam os seus filactérios e alongam as suas franjas. Amam o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas, as saudações nas praças e o serem chamados mestres pelos homens – Mt 23.4 a 7

O Judaísmo dos dias de Jesus não podia suportar a Cristo e sua mensagem porque estava edificado em velhas práticas, numa velha base e numa mentalidade que precisava ser superada.

O vinho novo não pode ser colocado em odres velhos. A rejeição de Jesus pelos líderes religiosos se explica no último versículo do texto inicial:

E ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo; porque diz: O velho é excelente – Lc 5.39

A opção dos líderes religiosos pelo Judaísmo decadente de seus dias foi um equívoco, mas foi deliberado e bem pensado.

 

NOVOS ODRES VELHOS

A grande desgraça de uma igreja é achar que os odres velhos somente dizem respeito ao Judaísmo dos dias de Jesus.

O mesmo fenômeno pode ser observado na igreja de Jesus Cristo.

 

  • TRADIÇÃO SIM, TRADICIONALISMO NÃO

Tradição é a fé viva dos que já morreram e tradicionalismo é a fé morta dos que ainda vivem” (Jaroslav Pelikan)

 

 

  • Cristalização de práticas irrefletidas:

Uma determinada prática, pelo uso e frequência, tende a se cristalizar e deixar de ser resultante de um processo de reflexão.

Tempo depois da libertação dos moradores de Jerusalém, alguns deles ainda jejuavam como haviam feito em todo o tempo do exílio. Eles jejuavam para que Deus os trouxesse de volta a Jerusalém. Já em Jerusalém continuavam a jejuar como se estivessem no cativeiro:

Quando de Betel foram enviados Sarezer, e Regém-Meleque, e seus homens, para suplicarem o favor do SENHOR, perguntaram aos sacerdotes, que estavam na Casa do SENHOR dos Exércitos, e aos profetas: Continuaremos nós a chorar, com jejum, no quinto mês, como temos feito por tantos anos? Então, a palavra do SENHOR dos Exércitos me veio a mim, dizendo: Fala a todo o povo desta terra e aos sacerdotes: Quando jejuastes e pranteastes, no quinto e no sétimo mês, durante estes setenta anos, acaso, foi para mim que jejuastes, com efeito, para mim? Quando comeis e bebeis, não é para vós mesmos que comeis e bebeis? – Zc 7.2 a 6

Clama a plenos pulmões, não te detenhas, ergue a voz como a trombeta e anuncia ao meu povo a sua transgressão e à casa de Jacó, os seus pecados. Mesmo neste estado, ainda me procuram dia a dia, têm prazer em saber os meus caminhos; como povo que pratica a justiça e não deixa o direito do seu Deus, perguntam-me pelos direitos da justiça, têm prazer em se chegar a Deus, dizendo: Por que jejuamos nós, e tu não atentas para isso? Por que afligimos a nossa alma, e tu não o levas em conta? Eis que, no dia em que jejuais, cuidais dos vossos próprios interesses e exigis que se faça todo o vosso trabalho. Eis que jejuais para contendas e rixas e para ferirdes com punho iníquo; jejuando assim como hoje, não se fará ouvir a vossa voz no alto. Seria este o jejum que escolhi, que o homem um dia aflija a sua alma, incline a sua cabeça como o junco e estenda debaixo de si pano de saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aceitável ao SENHOR? – Is 58. 1 a 5

  • A proibição de pensar a fé:

Então, chamaram, pela segunda vez, o homem que fora cego e lhe disseram: Dá glória a Deus; nós sabemos que esse homem é pecador. Ele retrucou: Se é pecador, não sei; uma coisa sei: eu era cego e agora vejo. Perguntaram-lhe, pois: Que te fez ele? como te abriu os olhos? Ele lhes respondeu: Já vo-lo disse, e não atendestes; por que quereis ouvir outra vez? Porventura, quereis vós também tornar-vos seus discípulos? Então, o injuriaram e lhe disseram: Discípulo dele és tu; mas nós somos discípulos de Moisés. Sabemos que Deus falou a Moisés; mas este nem sabemos donde é. Respondeu-lhes o homem: Nisto é de estranhar que vós não saibais donde ele é, e, contudo, me abriu os olhos. Sabemos que Deus não atende a pecadores; mas, pelo contrário, se alguém teme a Deus e pratica a sua vontade, a este atende. Desde que há mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se este homem não fosse de Deus, nada poderia ter feito. Mas eles retrucaram: Tu és nascido todo em pecado e nos ensinas a nós? E o expulsaram – Jo 9. 24 a 34

  • Index:

Uma das formas mais clássicas de odres velhos no ambiente da igreja é a proibição de se ler aquilo que “contraria a fé comum”.

No final do século XVI, a fim de conter o avanço do protestantismo, a igreja Católica decidiu estabelecer uma lista de livros interditados aos fiéis, pelos danos que sua leitura poderia causar para a fé e aos (bons) costumes. No ano de 1559 o Papa Paulo IV editou o Index librorum prohibitorum, primeiro catálogo dos livros proibidos. Foi a primeira censura imposta diretamente por um papa. Em 1571, o papa Pio V criou a Sagrada Congregação do Índice, encarregada de examinar e censurar livros e atualizar o “Index”. Os governos católicos da Europa efetivaram as medidas repressivas e garantiram a aplicação da lei imposta pela Igreja. Na Espanha, Portugal e França, mesmo antes da edição do Index algumas leis condenavam à morte quem possuísse, comprasse, vendesse ou copiasse um livro herege. Ao longo dos 400 anos que durou a proibição, a lista das obras condenadas foi-se tornando cada vez mais longa. Além de uma série de edições da Bíblia, do Novo Testamento e suas traduções, proibia aos católicos o acesso às obras de Martinho Lutero, Calvino, à astrologia e à chamada “literatura lasciva”.

Fonte:https://www.ufrgs.br/blogdabc/livros-proibidos-50-anos-do-fim-do-index-librorum-prohibitorum/

Ilustração: A. W. Pink – A Doutrina da Eleição

 

 

UMA QUESTÃO DE PODER

 

  • A parábola do Inquisidor

O Grande Inquisidor, capítulo tão aludido de Os Irmãos Karamazov (publicado em 1880), a derradeira obra-prima de Fiódor Dostoiévski (1821-1881) retrata a angústia do ser humano face o livre-arbítrio e o sofrimento.

Nessa passagem, a aparição de Jesus Cristo na Espanha do século XVI provoca a reação rápida do Grande Inquisidor de Sevilha: mesmo ciente de quem era, prende-o. O cardeal inquisidor aproveita para desafiar Jesus Cristo, acusando-o pelos males do mundo. O desfecho é surpreendente.

Eu te afirmo que foi forçosamente assim que aconteceu. E eis que Ele desejou aparecer, ainda que por um instante, ao povo – atormentado, sofredor, mergulhado em seu fétido pecado, mas amando-O como criancinhas. Em meu poema a ação se passa na Espanha, em Sevilha, no mais terrível tempo da Inquisição, quando, pela glória de Deus, as fogueiras ardiam diariamente no país e

Em magníficos autos de fé

Queimavam-se os perversos hereges. […]

A guarda leva o Prisioneiro para uma prisão apertada, sombria e abobadada, que fica na antiga sede do Santo Tribunal, e O tranca ali. O dia passa, cai a noite quente, escura e “sem vida” de Sevilha. O ar “recende a louro e limão”. Em meio a trevas profundas abre-se de repente a porta de ferro da prisão e o próprio velho, o grande inquisidor, entra lentamente com um castiçal na mão. Está só; a porta se fecha imediatamente após sua entrada. Ele se detém por muito tempo à entrada, um ou dois minutos, examina o rosto do Prisioneiro. Por fim se aproxima devagar, põe o castiçal numa mesa e Lhe diz: “És tu? Tu?”. Mas, sem receber resposta, acrescenta rapidamente: “Não respondas, cala-te. Ademais, que poderias dizer? Aliás, não tens nem direito de acrescentar nada ao que já tinhas dito. Por que vieste nos atrapalhar? Pois vieste nos atrapalhar e tu mesmo o sabes. Mas sabes o que vai acontecer amanhã? Não sei quem és e nem quero saber: és Ele ou apenas a semelhança d’Ele, mas amanhã mesmo eu te julgo e te queimo na fogueira como o mais perverso dos hereges, e aquele mesmo povo que hoje te beijou os pés, amanhã, ao meu primeiro sinal, se precipitará a trazer carvão para tua fogueira, sabias? É, é possível que o saibas” – acrescentou compenetrado em pensamentos, sem desviar um instante o olhar de seu prisioneiro. […] “Terás o direito de nos anunciar ao menos um dos mistérios do mundo de onde vieste?” – pergunta-lhe meu velho, e ele mesmo responde: “Não, não tens, para que não acrescentes nada ao que já foi dito antes nem prives as pessoas da liberdade que tanto defendeste quanto estiveste aqui na Terra. Tudo o que tornares a anunciar atentará contra a liberdade de crença dos homens, pois aparecerá como milagre, e a liberdade de crença deles já era para ti a coisa mais cara mil e quinhentos anos atrás. Não eras tu que dizias com frequência naquele tempo: ‘Quero fazê-los livres’? Pois bem, acabaste de ver esses homens ‘livres’ – acrescenta de súbito o velho com um risinho ponderado. – Sim, essa questão nos custou caro – continua ele, fitando-O severamente –, mas finalmente concluímos esse caso em teu nome. Durante quinze séculos nós no torturamos com essa liberdade, mas agora isso está terminado, e solidamente terminado. Não acreditas que estás solidamente terminado? Olhas com docilidade para mim e não me concedes sequer a indignação? Contudo, fica sabendo que hoje, e precisamente hoje, essas pessoas estão mais convictas do que nunca de que são plenamente livres, e, entretanto elas mesmas nos trouxeram sua liberdade e a colocaram obedientemente a nossos pés. Mas isto fomos nós que fizemos; era isso, era esse tipo de liberdade que querias?” […] Mas se é um mistério, então nós também estaríamos no direito de pregar o mistério e ensinar àquelas pessoas que o importante não é a livre decisão de seus corações nem o amor, mas o mistério, ao qual elas deveriam obedecer cegamente, inclusive contrariando suas consciências. Foi o que fizemos. Corrigimos tua façanha e lhe demos por fundamento o milagre, o mistério e a autoridade. E os homens se alegraram porque de novo foram conduzidos como rebanho e finalmente seus corações ficaram livres de tão terrível dom, que tanto suplício lhes causara. Podes dizer se estávamos certos ensinando e agindo assim?

Eu queria terminá-lo assim: quando o inquisidor calou-se, ficou algum tempo aguardando que o prisioneiro lhe respondesse. Para ele era pesado o silêncio do outro. Via como o prisioneiro o escutara o tempo todo com ar convicto e sereno, fitando-o nos olhos e, pelo visto, sem vontade de fazer nenhuma objeção. O velho queria que o outro lhe dissesse alguma coisa ainda que fosse amarga, terrível. Mas de repente ele se aproxima do velho em silêncio e calmamente lhe beija a exangue boca de noventa anos. Eis toda a resposta. O velho estremece. Algo estremece na comissura de seus lábios; ele vai à porta, abre-a e diz ao outro: “Vai e não volte mais… Não voltes em hipótese nenhuma… nunca, nunca!”. E o deixa sair para as “ruas largas e escuras da urbe”. O prisioneiro vai embora.

– E o velho?

– O beijo lhe arde no coração, mas o velho se mantém na mesma ideia.

Fonte: DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Irmãos Karamázov. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2008. Vol. 1.pp. 341-64.

Não haverá riso, exceto pela gargalhada de triunfo por um inimigo derrotado. Não haverá arte, literatura, ciência. Quando formos onipotentes, não precisaremos mais de ciência. Não haverá distinção entre beleza e feiura. Não haverá curiosidade, nenhuma apreciação do processo da vida. […] Sempre haverá a embriaguez de poder, sempre aumentando e sempre ficando mais sutil. Em quase todos os momentos, haverá a emoção pela vitória, a sensação de pisotear um inimigo impotente. Se você quiser uma visão do futuro, imagine uma bota pisando num rosto humano… para sempre”. (Orwell: 1984)

  1. O desejo pecaminoso de controlar a fé de todos – os “dominicanis”

Discurso de São Domingos para justificar a Cruzada contra os Albigenses (1208):

Por muitos anos já, tenho-vos entoado palavras de doçura, pregando implorando, chorando. Mas como diz a gente de minha terra, onde a bênção não adianta, a vara prevalecerá. Agora convocaremos contra vós chefes e prelados que, ai de mim, se reunirão contra essa terra… e farão com que muita gente pereça pela espada, arruinarão vossas torres, derrubarão e destruirão vossas muralhas, e vos reduzirão a todos a servidão… a força da vara prevalecerá onde a doçura e as bênçãos não conseguiram realizar nada.

Em 1231, subiu ao trono de Pedro o cardeal Hugolino, doravante denominado Gregório IX, amigo de Domingos, entrou para a história como o papa que instituiu a Inquisição, entregando a sua direção aos filhos espirituais de Domingos.

  1. Não tente domar Aslam – C. S. Lewis

No fim da história do livro “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa”, depois de derrotar a Feiticeira Branca e seus súditos, depois de restabelecer a alegria em Nárnia e trazer libertação a todos, quando todos estavam felizes e esperançosos em um reino de justiça com a presença de Aslam, sem que quase ninguém perceba, Aslam some de novo. Lúcia percebeu. No alto do castelo de Cair Paravel, ela percebe que o grande salvador, Leão imponente não está lá. Mas ela sabia que isso poderia acontecer. O senhor Castor já havia avisado:

Ele há de vir e há de ir-se. Num dia, poderão vê-lo; no outro, não. Não gosta que o prendam… e, naturalmente, há outros países que o preocupam. Mas não faz mal. Ele virá muitas vezes. O importante é não pressioná-lo porque, como sabem, ele é selvagem. Não se trata de um leão domesticado.

Fonte: https://viniverdadeverdadeira.blogspot.com/2020/08/ele-nao-e-um-leao-domesticado.html

 

PERDENDO JESUS DE VISTA

O grande desafio sempre foi: “Não perder Jesus de vista”

  • Qual é o lugar de Jesus na própria existência da Igreja?

Jesus é o dono da Igreja

Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue – Ato 20.28

Jesus é o cabeça da Igreja

E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja – Ef 1.22

Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo – Ef 5.23b

Jesus ocupa a primazia em todas as coisas, em especial na Igreja

Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia, porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus – Cl 1.15 a 20

  • A adoração a Jesus Cristo como expressão de nossa submissão a seu senhorio

Veio, pois, e tomou o livro da mão direita daquele que estava sentado no trono; e, quando tomou o livro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos, e entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra. Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. Então, ouvi que toda criatura que há no céu e sobre a terra, debaixo da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo: Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos. E os quatro seres viventes respondiam: Amém! Também os anciãos prostraram-se e adoraram – Ap 5.7 a 14

  • Onde está Jesus nisso tudo?

Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! – Rm 11.33 a 36

 

CONCLUSÃO

A Parábola do Rio – Howard Snyder

Ele vinha das altas montanhas, ondeando pelos rochedos, passando por entre fendas e florestas, até chegar à planície. Lá fluía largo, tranquilo, mas forte, refletindo em sua superfície perolada a glória do sol.

A cidade foi construída ao lado do Rio. Foi construída, aliás, por causa do rio. Para o povo, o Rio era a Vida, sua água pura satisfazia em abundância a sede da Cidade, aguava suas plantações e fornecia uma variedade de peixes e alimentos.

Por muito anos, a Cidade viveu às margens do Rio em tranquilidade pastoril. A cidade cresceu e se expandiu. Ergueram-se muitas casas e grandes edifícios públicos. Ao longo do Rio, construíram-se ancoradouros, parques e pontes. Com o tempo, o povo encontrou meios de aproveitar o potencial do Rio e edificou canais, moinhos e coisas do gênero. Uma ideia levava a outra e toda uma cultura se formou e torno do rio. Havia prosperidade e saúde para todos.

Até que surgiu a ideia de uma represa. O povo conhecia o potencial do Rio; afinal, vivia dele. Seria possível fazer muito mais com uma grande represa, que reteria todo o potencial do Rio e forneceria energia constante que não variaria de acordo com as estações.

E então dissera: “Vamos! Vamos construir uma grande represa para aproveitar o potencial do Rio.” E assim fizeram.

Era um grande projeto, projeto digno. Após alguns anos a represa ficou pronta e trouxe novos benefícios a toda a Cidade.

Ninguém, porém, percebeu um problema. A Cidade estava tirando proveito do Rio, mas também o estava modificando. Com o passar do tempo, o Rio foi diminuindo, diminuindo; e o lago, crescendo, crescendo. E uma vez que o fluir constante do Rio fora bloqueado pela represa, sua água, antes brilhante, tornou-se escura e opaca. Mas a mudança era tão gradual, que ninguém na verdade percebeu. A glória e os benefícios da represa cegavam os cidadãos para as realidades menos óbvias, porém mais sinistras. Às vezes doenças e epidemias atingiam a Cidade, mas ninguém relacionava tais problemas com as mudanças no Rio.

Enquanto isso, outra coisa acontecia. A água pura continuava fluindo do alto das montanhas e, com o tempo, o nível do Rio acabou se elevando cada vez mais atrás da represa. Então, numa primavera, a neve começou a derreter nas montanhas e o Rio começou a atingir novos níveis.

Numa manhã de janeiro, bem cedo, o povo da cidade foi despertado por um som desconhecido. O estrondo de águas correndo, rugindo, tomou a Cidade e ecoou pelas ruas. Os líderes da Cidade e todo o povo correram até o Rio para ver o que ali estava acontecendo. o Rio estava ali, a represa estava ali – mas a água escoava rapidamente. A represa não se rompera, mas num ponto extremo do rio, a terra havia cedido, dando lugar a um grande buraco. O Rio escoava por ali, fazendo surgir uma cascata raivosa que saía trovejando pela fenda. O nível da água começou a diminuir. O lodo e a sujeira acumulados naqueles anos todos foram varridos pelo Rio em seu renovado poder.

Mas a consternação reinava na Cidade. Os governantes convocaram uma assembleia para resolver o que fazer. Especialistas estudaram a situação e apresentaram suas teorias. Havia rumores de sabotagem e subversão. Ouviram-se histórias de que o Rio estava agora seguindo um novo curso abaixo da represa e surgindo do outro lado da planície, formado um novo canal.

Na realidade, a Cidade não tinha muito o que fazer naquela situação. Mas a Câmara Municipal tomou uma série de decisões. Uma delas expressava indignação diante de tudo que tinha acontecido. Outra impedia todos os cidadãos de se aproximar do novo Rio ou beber sua água.

E assim passou o tempo. Os engenheiros da cidade não conseguiram fechar a brecha nem aproveitar o fluxo da água. Assim, a Cidade aprendeu a conviver com isso, assim como contentou em continuar vivendo, cuidando da represa (agora praticamente inútil) e escrevendo livros para explicar o que acontecera. As coisas foram se ajustando e a vida voltou ao normal. […]

 

LIÇÃO:

Se você não se sente desafiado a rever constantemente seus valores, você deve estar seguindo outro mestre, não Jesus Cristo

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