Incidente em Trôade

No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite. Havia muitas lâmpadas no cenáculo onde estávamos reunidos. Um jovem, chamado Êutico, que estava sentado numa janela, adormecendo profundamente durante o prolongado discurso de Paulo, vencido pelo sono, caiu do terceiro andar abaixo e foi levantado morto. Descendo, porém, Paulo inclinou-se sobre ele e, abraçando-o, disse: Não vos perturbeis, que a vida nele está. Subindo de novo, partiu o pão, e comeu, e ainda lhes falou largamente até ao romper da alva. E, assim, partiu. Então, conduziram vivo o rapaz e sentiram-se grandemente confortados – At 20.7 a 12

 

INTRODUÇÃO:

Em dezembro de 1963, uma sexta-feira 13, a matriarca Quitéria Campolargo arregala os olhos em sua tumba, imaginando estar frente a frente com o Criador. Mas logo descobre que está do lado de fora do cemitério da cidade de Antares, junto com outros seis cadáveres, mortos-vivos como ela, todos insepultos. Uma greve geral na cidade, à qual até os coveiros aderiram, impede o enterro dos mortos. Que fazer? Os distintos defuntos, já em putrefação, resolvem reivindicar o direito de serem enterrados – do contrário, ameaçam assombrar a cidade. Seguem pelas ruas e casas, descobrindo vilanias e denunciando mazelas. O mau cheiro exalado por seus corpos espelha a podridão moral que ronda a cidade.

Em Incidente em Antares, Erico Verissimo faz uma sátira política contundente e hilariante que, mesmo lançada em 1971, em plena ditadura militar, não teve receio de abordar temas como tortura, corrupção e mandonismo.

“Desta vez abri a veia da sátira e deixei seu sangue escorrer livre e abundantemente.” – Erico Verissimo

 

ESCLARECIMENTOS:

  1. O título provocativo dessa mensagem deriva do romance de Érico Verísisimo. Porém, não desejo ser tão satírico como o poeta brasileiro.
  2. Antes que alguém me critique achando que estou dizendo o que irei dizer tendo em mente uma comunidade específica, eu quero esclarecer que escrevi essa mensagem em 1996 e preguei pela primeira vez na Igreja Evangélica Betânia de Altônia.

 

O TEXTO:

No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão… verso 7

O texto relata um incidente inusitado durante uma reunião cristã na pequena cidade macedônica de Trôade.

No relato encontramos o narrador fazendo sua narrativa na primeira pessoa do plural – Lucas estava presente no culto.

Paulo, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite… – verso 7

Paulo era o ilustre visitante e pregador da noite.

Paulo estava seguindo sua viagem em direção a Jerusalém.

Havia muitas lâmpadas no cenáculo onde estávamos reunidos… – verso 8

A comunidade cristã nascente havia se reunido num local denominado cenáculo, uma espécie de clube social da cidade onde aconteciam festas, banquetes e reuniões importantes da cidade. Esse prédio tinha pelo mesmo 3 andares – verso 9

É nesse contexto que acontece o incidente de Trôade.

O CONTEXTO DO TEXTO:

Paulo estava encerrando sua terceira viagem missionária. De Trôade ele tomou rumo a Mileto, Chipre e aportou em tiro partindo dali para Antioquia da Síria. Seu objetivo era ir a Jerusalém, onde tendo chegado foi recebido com alegria pelos irmãos – At 21.17.

Uma vez em Jerusalém Paulo foi preso e depois de algum tempo em Cesareia, sob custódia do governador Félix foi encaminhado a Roma para ser julgado por César.

 

Lucas, acompanhava Paulo em sua terceira viagem – verso 5.

 

A COMUNIDADE CRISTÃ EM TRÔADE

Não temos informações precisas sobrea origem e composição da comunidade cristã de Trôade. Possivelmente essa comunidade cristã tenha surgido a partir da proclamação do evangelho a partir de Filipos.

Paulo já estivera em Trôade anteriormente, em sua segunda viagem missionária – At 16.8. Não sabemos quanto tempo ele permaneceu nessa cidade. Provavelmente pouco tempo, tempo insuficiente para ter iniciado ali uma nova comunidade cristã.

Levando em consideração que a segunda viagem missionária de Paulo – ocasião em que passou algum tempo em Filipos – ocorreu entre os anos 50 a 52 AD e a terceira viagem missionária se encerrou em 57 AD, a comunidade cristã de Trôade era recém-formada.

A comunidade de Trôade é, segundo se pensa majoritariamente gentílica.

Os cristãos de Trôade, certamente havia ouvido falar de Paulo e foram unânimes em atender aos eu convite para reunirem-se no primeiro dia da semana num lugar espaçoso e iluminado para ouvirem do apóstolo suas instruções a respeito do caminho.

Não sabemos quantas pessoas estavam no local, sabemos unicamente que além de Paulo e Lucas havia um jovem por nome Êutico e provavelmente seus pais.

 

O JOVEM ÊUTICO

No nome Êutico é de origem grega e significa “boa sorte”. Junção de “eu” – boa tuceroV – sorte, ventura, sucesso, êxito. Seria cômico se não fosse dramático o que ocorreu a ele nesse relato. Por outro lado, ele teve “sorte” de que o pregador da noite era também alguém usado por Deus para ressuscitar mortos.

O jovem – alguém entre 20 e 30 anos – ao entrar no recinto de permanecer em pé, como os demais foi sentar-se numa janela.

Por que o jovem caiu da janela?

  1. Objetivas ou circunstanciais – aquelas relacionadas ao meio.
  2. Subjetivas ou pessoais – aquelas relacionadas ao indivíduo apático.
  • Causas Circunstanciais:

a) O local: Um prédio, terceiro andar, na cidade Trôade – com muitas candeias e uma janela convidativa – v. 5

b) A linguagem: Um pregador vindo de longe, com um vocabulário rebuscado, digressivo, monótono, cheio de citações e referências incompreensíveis aos ouvidos de um jovem morador de uma pequena cidade da Macedônia.

c) Talvez o jovem Êutico tivesse trabalhado o dia todo e se encontrava exausto. A janela não deveria um lugar apropriado para alguém como ele sentar-se.

d) O assunto: Explicações infindáveis sobre doutrinas antigas de pessoas cujos nomes nunca se havia ouvido por esses rincões da Macedônia, temas pouco relevantes para um jovem que está pensando apenas no que virá depois do culto – a comida.

e) O ritmo das coisas: Uma pregação enfadonha, interminável, sob a luz bruxuleante de lamparinas exalando fumaça entorpecente e anestesiante, tudo muito lento a um jovem que deseja viver intensamente a vida.

 

  • Causas pessoais:

a) Inadequações pessoais: Um jovem numa reunião de adultos, trazido por seus pais como única opção de atividade numa cidade pequena sem atrativos e cheia de pessoas que não pensam na vida como uma aventura.

b) Interesses escusos: O jovem, possivelmente, não queria estar ali, sentia-se forçado a estar onde não queria estar por fazer parte de uma família que queria vê-lo ali a todo custo.

c) Dipsiquia: Significa ter duas almas – Tg 1.8 – alguém que tem a mente dividida. Como se uma parte de si desejasse algo e outra parte desejasse outra coisa. Estar na janela da vida significa não saber direito o que quer.

d) Propensão: Significa aquela inclinação da alma, a que prevalece no caso da dipsiquia. Quando a propensão é má a escolha será má: “Um navio navega na exata direção que lhe é dada pelo piloto”.

Carson (Comentário Bíblico Vida Nova, 2009, p. 1333) comenta:

A menção de muitas lâmpadas sugere que o fumo pode ter contribuído para o torpor de Êutico. No entanto, não há dúvida de que seu discurso (de Lucas) é principalmente porque Paulo continuou a falar por muito tempo. Como resultado de sua queda de tão alto, Êutico foi levantado morto. A linguagem não é ambígua (como em 14:19, 20 onde as pessoas deram Paulo como morto) e é improvável que significa Lucas quer dizer algo diferente de uma reanimação milagrosa dos mortos (9:36-43) a ressuscitação ocorreu de forma bastante dramática, de acordo com os milagres de Elias e Eliseu (1 Reis 17:21; 2 Reis 4:32, 33) e quando a cura ocorreu, Paulo anunciou com alegria! … sua vida está nele.

 

O APÓSTOLO PAULO

Paulo estava ciente de que sua carreira ministerial estava se findando. A passagem por Trôade significava o primeiro e último contato que ele teria com aquela comunidade cristã, isso explica a demora de sua fala.

Paulo não imaginava que um jovem, sentado na janela iria cair e morrer em função da queda do terceiro andar.

Porém, podemos aprender algumas lições preciosas sobre Paulo e sua reação ao incidente em Trôade:

Descendo, porém, Paulo inclinou-se sobre ele e, abraçando-o, disse: Não vos perturbeis, que a vida nele está. Subindo de novo, partiu o pão, e comeu, e ainda lhes falou largamente até ao romper da alva. E, assim, partiu. Então, conduziram vivo o rapaz e sentiram-se grandemente confortados – At 20.10 a 12

 

LIÇÕES:

  • PRIMEIRAMENTE A VIDA, DEPOIS O CULTO

O culto estava em andamento, Paulo ensinava e o jovem caiu. Lucas diagnosticou morte.

Paulo desceu…

O culto parou. Não é possível continuar o culto quando um jovem está morto. Paulo compreendeu que a prioridade era ressuscitar o morto e não continuar o sermão.

O que faríamos?

Continuaríamos cultuando como se não fosse conosco.

– Quem caiu? Êutico.

– Quem é Êutico? Um rapaz que veio visitar a igreja.

– Tá. Vamos continuar o culto.

– Mas ele morreu!

– E daí, o culto não pode parar só porque um visitante caiu da janela e morreu.

Paulo desceu…

Precisamos descer de nossos conceitos e preconceitos e aprender com Paulo a primazia da vida sobre o culto.

Jesus disse:

Ora, vendo isto, os fariseus perguntavam aos discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Mas Jesus, ouvindo, disse: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos; pois não vim chamar justos, e sim pecadores [ao arrependimento] – Mt 9.11 a 13

Também:

Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes – Mt 12.7

  • ACOLHIDOS ACOLHEM

Paulo, tendo descido, inclinou-se sobre Êutico e o abraçou…

Paulo aqui nos dá uma lição preciosa: É preciso acolher sempre.

Paulo um dia foi acolhido:

Tendo chegado a Jerusalém, procurou juntar-se com os discípulos; todos, porém, o temiam, não acreditando que ele fosse discípulo. Mas Barnabé, tomando-o consigo, levou-o aos apóstolos; e contou-lhes como ele vira o Senhor no caminho, e que este lhe falara, e como em Damasco pregara ousadamente em nome de Jesus. Estava com eles em Jerusalém, entrando e saindo, pregando ousadamente em nome do Senhor – At 9.26 a 28

Os acolhidos devem acolher.

Acolhei ao que é débil na fé, não, porém, para discutir opiniões – Rm 14.1

Portanto, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus – Rm 15.7

  • SOMOS CHAMADOS A TRANSMITIR VIDA

Paulo disse:

Não vos perturbeis, que a vida nele está – verso 10

Lucas, que era médico havia dito que o rapaz estava morto e Paulo, abraçando o jovem Êutico transmitiu vida a seu corpo inerte.

Paulo estava imitando Elias e Eliseu.

Nós também somos chamados por Deus para transmitir vida.

A Jocum internacional promoveu um treinamento de jovens para o ministério entre os índios do Peru na década de 80. O treinamento aconteceu em Lima. Na formatura daquela turma ocorreu um incidente interessante.

O preletor disse que aqueles jovens missionários precisariam de pender do poder de Deus para a realização do ministério deles. Eles estavam sendo enviados para uma zona de conflito onde havia muitas doenças e perigos nas matas e por causas das FARCs.

Uma mulher entrou no meio da solenidade em prantos e gritando bem alto. Os presentes não entenderam seus motivos. Mas um formando se dirigiu a ela e abraçando-a orou com ela. Ela se aclamou e seu desespero se tornou em alívio e depois risos de alegria.

Uma vez recomposta ela disse o motivo de sua vinda inesperada àquela reunião.

Os médicos haviam dito a ela que seu filho, havia morrido em seu ventre e que iriam tirá-lo. Ela, desesperada fugiu do hospital e procurou um lugar onde pudesse encontrar alguém que orasse pela ressurreição de seu filho.

Durante a oração a criança mexeu no seu ventre e ela pode ver que Deus havia ressuscitado seu filho.

Os formandos tiveram aquilo como um sinal de que Deus estava aprovando-os.

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