UMA LEITURA DO EPISÓDIO DA FORNALHA ARDENTE NA PERSPECTIVA DA TEOLOGIA DO PODER
O rei Nabucodonosor fez uma imagem de ouro de vinte e sete metros de altura e dois metros e setenta centímetros de largura, e a ergueu na planície de Dura, na província da Babilônia. Depois convocou os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os conselheiros, os tesoureiros, os juízes, os magistrados e todas as autoridades provinciais para assistirem à dedicação da imagem que mandara erguer. Assim todos eles, sátrapas, prefeitos, governadores, conselheiros, tesoureiros, juízes, magistrados e todas as autoridades provinciais se reuniram para a dedicação da imagem que o rei Nabucodonosor mandara erguer, e ficaram de pé diante dela. Então o arauto proclamou em alta voz: “Esta é a ordem que lhes é dada, ó homens de todas nações, povos e línguas: Quando ouvirem o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da flauta dupla e de toda espécie de música, prostrem-se em terra e adorem a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor ergueu. Quem não se prostrar em terra e não adorá-la será imediatamente atirado numa fornalha em chamas” – Daniel 3.1 a 6
Sadraque, Mesaque e Abede-Nego responderam ao rei: “Ó Nabucodonosor, não precisamos defender-nos diante de ti. Se formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das suas mãos, ó rei. Mas, se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos seus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer”. Nabucodonosor ficou tão furioso com Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, que o seu semblante mudou. Deu ordens para que a fornalha fosse aquecida sete vezes mais do que de costume e ordenou que alguns dos soldados mais fortes do seu exército amarrassem Sadraque, Mesaque e Abede-Nego e os atirassem na fornalha em chamas – Daniel 3. 16 a 20
INTRODUÇÃO
Não sabemos quanto tempo decorreu desde a deportação de Daniel e seus amigos até o incidente de relatado no terceiro capítulo do livro de Daniel. Parece haver um curto espaço de tempo entre o que aconteceu no capítulo 2 e o incidente do capítulo 3.
O CONTEXTO DO TEXTO
DANIEL 1: A DEPORTAÇÃO PARA BABILÔNIA
No terceiro ano do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio a Jerusalém e a sitiou. E o Senhor entregou Jeoaquim, rei de Judá, nas suas mãos, e também alguns dos utensílios do templo de Deus. Ele levou os utensílios para o templo do seu deus na terra de Sinear e os colocou na casa do tesouro do seu deus. Então o rei ordenou que Aspenaz, o chefe dos oficiais da sua corte, trouxesse alguns dos israelitas da família real e da nobreza; jovens sem defeito físico, de boa aparência, cultos, inteligentes, que dominassem os vários campos do conhecimento e fossem capacitados para servir no palácio do rei. Ele devia ensinar-lhes a língua e a literatura dos babilônios. O rei designou-lhes uma porção diária de comida e de vinho da própria mesa do rei. Eles receberiam um treinamento durante três anos, e depois disso passariam a servir o rei. Entre esses estavam alguns que vieram de Judá: Daniel, Hananias, Misael e Azarias. O chefe dos oficiais deu-lhes novos nomes: a Daniel deu o nome de Beltessazar; a Hananias, Sadraque; a Misael, Mesaque; e a Azarias, Abede-Nego – Daniel 1.1 a 7
DANIEL 2: O SONHO ENIGMÁTICO DO REI NABUCODONOSOR
No segundo ano de seu reinado, Nabucodonosor teve sonhos; sua mente ficou tão perturbada que ele não conseguia dormir. Por isso o rei convocou os magos, os encantadores, os feiticeiros e os astrólogos para que lhe dissessem o que ele havia sonhado. Quando eles vieram e se apresentaram ao rei, ele lhes disse: “Tive um sonho que me perturba e quero saber o que significa”. […] Os astrólogos responderam ao rei: “Não há homem na terra que possa fazer o que o rei está pedindo! Nenhum rei, por maior e mais poderoso que tenha sido, chegou a pedir uma coisa dessas a nenhum mago, encantador ou astrólogo. O que o rei está pedindo é difícil demais; ninguém pode revelar isso ao rei, senão os deuses, e eles não vivem entre os mortais”. Isso deixou o rei tão irritado e furioso que ele ordenou a execução de todos os sábios da Babilônia. E assim foi emitido o decreto para que fossem mortos os sábios; os encarregados saíram à procura de Daniel e dos seus amigos, para que também fossem mortos. […] “Tu olhaste, ó rei, e diante de ti estava uma grande estátua: uma estátua enorme, impressionante, e sua aparência era terrível. A cabeça da estátua era feita de ouro puro, o peito e o braço eram de prata, o ventre e os quadris eram de bronze, as pernas eram de ferro, e os pés eram em parte de ferro e em parte de barro. Enquanto estavas observando, uma pedra soltou-se, sem auxílio de mãos, atingiu a estátua nos pés de ferro e de barro e os esmigalhou. […] Esse é o significado da visão da pedra que se soltou de uma montanha, sem auxílio de mãos, pedra que esmigalhou o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro. “O Deus poderoso mostrou ao rei o que acontecerá no futuro. O sonho é verdadeiro, e a interpretação é fiel” – Daniel 2.1 a 3, 11 a 13, 31 a 34 e 45
A ESTÁTUA DO SONHO DE NABUCODONOSOR:
DANIEL 3: O INCIDENTE DA FORNALHA ARDENTE
O rei Nabucodonosor fez uma imagem de ouro de vinte e sete metros de altura e dois metros e setenta centímetros de largura, e a ergueu na planície de Dura, na província da Babilônia. Depois convocou os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os conselheiros, os tesoureiros, os juízes, os magistrados e todas as autoridades provinciais para assistirem à dedicação da imagem que mandara erguer. Assim todos eles, sátrapas, prefeitos, governadores, conselheiros, tesoureiros, juízes, magistrados e todas as autoridades provinciais se reuniram para a dedicação da imagem que o rei Nabucodonosor mandara erguer, e ficaram de pé diante dela. Então o arauto proclamou em alta voz: “Esta é a ordem que lhes é dada, ó homens de todas nações, povos e línguas: Quando ouvirem o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da flauta dupla e de toda espécie de música, prostrem-se em terra e adorem a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor ergueu. Quem não se prostrar em terra e não adorá-la será imediatamente atirado numa fornalha em chamas” – Daniel 3.1 a 6
Afinal o que o rei queria? O rei queria fazer uma demonstração de poder. Daniel havia dito a respeito dele:
Tu, ó rei, és rei de reis. O Deus dos céus te tem dado domínio, poder, força e glória; nas tuas mãos ele colocou a humanidade, os animais selvagens e as aves do céu. Onde quer que vivam, ele fez de ti o governante deles todos. Tu és a cabeça de ouro. Depois de ti surgirá um outro reino, inferior ao teu – Daniel 2.37 a 39a
Parece que o rei queria dar uma checada se as coisas eram assim mesmo. O rei sabia que tinha poder. Seu poder era, na sua concepção, ilimitado. Ele cria que podia qualquer coisa e nada nem ninguém poderia resisti-lo. Essa é uma ilusão muito comum na humanidade.
- DEMONSTRAÇÃO DO PODER ABSOLUTO/RELATIVO
O poder humano é sempre – Versos 4 a 6:
- Impositivo – Esta é a ordem que lhes é dada…
- Despótico – … ó homens de todas nações, povos e línguas…
- Coercitivo – Quando ouvirem o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da flauta dupla e de toda espécie de música, prostrem-se em terra e adorem a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor ergueu…
- Despessoalizante – Quem não se prostrar em terra e não adorá-la será imediatamente atirado numa fornalha em chamas.
Nabucodonosor queria demonstrar que detinha em seu poder a vida e a morte de todos os seres humanos. As ordens são imperativas, inapeláveis e cheias de severas consequências.
Nada mudou no mundo:
- Os desfiles da antiga URSS
- Os desfiles militares da Coréia do Norte
- Os desfiles militares da China
O que os homens querem mostrar? Poder, influência, capacidade de infundir medo. Será que isso não revela algo sombrio sobre a natureza humana e suas fragilidades?
Será que no inconsciente humano há um vácuo de potência que instiga o ser humano a buscar uma onipotência inalcançável?
Há basicamente dois tipos de poder:
- Dynamis – poder de fazer
- Exousia – poder de fazer alguém fazer
Todo mundo tem o poder de fazer algo.
Nem todo mundo tem o poder de fazer alguém fazer algo. O problema não é ter ou não ter poder, o problema é saber o que fazer com o poder que se tem.
Deus nunca concede poder a alguém para que esse alguém oprima seus semelhantes, explore, subjugue e humilhe alguém. O poder é concedido para que seu uso redunde em glórias a Deus, a fonte de todo poder.
Alguns fatos:
- O rei Nabucodonosor, ao fazer mau uso do poder, desafiou o Todo poderoso.
- O resultado de sua temeridade resultou em vergonha para ele mesmo.
- Deus o humilhou mostrando que seu poder absoluto era relativo.
- Ele tinha poderes para dizer o que deveria ser feito, mas não tinha poder para impedir que Deus poupasse os amigos de Daniel dos danos do fogo.
- DEMONSTRAÇÃO DO PODER ABSOLUTO
O poder absoluto de Deus sobrepujou o poder relativo de Nabucodonosor. Os amigos de Daniel foram meros instrumentos da demonstração do poder absoluto de Deus:
E os três homens, vestidos com seus mantos, calções, turbantes e outras roupas, foram amarrados e atirados na fornalha extraordinariamente quente. A ordem do rei era tão urgente e a fornalha estava tão quente que as chamas mataram os soldados que levaram Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, os quais caíram amarrados dentro da fornalha em chamas. Mas, logo depois o rei Nabucodonosor, alarmado, levantou-se e perguntou aos seus conselheiros: “Não foram três homens amarrados que nós atiramos no fogo? ” Eles responderam: “Sim, ó rei”. E o rei exclamou: “Olhem! Estou vendo quatro homens, desamarrados e ilesos, andando pelo fogo, e o quarto se parece com um filho dos deuses”. Então Nabucodonosor aproximou-se da entrada da fornalha em chamas e gritou: “Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, servos do Deus Altíssimo, saiam! Venham aqui!” E Sadraque, Mesaque e Abede-Nego saíram do fogo. Os sátrapas, os prefeitos, os governadores e os conselheiros do rei se ajuntaram em torno deles e comprovaram que o fogo não tinha ferido o corpo deles. Nem um só fio do cabelo tinha sido chamuscado, os seus mantos não estavam queimados, e não havia cheiro de fogo neles – Daniel 3.21 a 27
Diante do rei, que se julgava todo-poderoso, surgiu um ser que tem poder sobre o fogo, que anda no meio do fogo e que evita que o fogo tenha poder sobre seres humanos perfeitamente vulneráveis ao poder destruidor do fogo.
O poder absoluto pertence a Deus. Somente Deus pode ser referido como Todo Poderoso – El-Shaday.
Daniel já havia reconhecido que Deus detém para si a prerrogativa da palavra final:
Então o mistério foi revelado a Daniel de noite, numa visão. Daniel louvou o Deus dos céus e disse: “Louvado seja o nome de Deus para todo o sempre; a sabedoria e o poder a ele pertencem. Ele muda as épocas e as estações; destrona reis e os estabelece. Dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos que sabem discernir. Revela coisas profundas e ocultas; conhece o que jaz nas trevas, e a luz habita com ele – Daniel 2.19 a 22
O salmista já havia dito:
O Senhor estabeleceu o seu trono nos céus, e como rei domina sobre tudo o que existe – Salmos 103.19
Não a nós, Senhor, nenhuma glória para nós, mas sim ao teu nome, por teu amor e por tua fidelidade! Por que perguntam as nações: “Onde está o Deus deles?” O nosso Deus está nos céus, e pode fazer tudo o que lhe agrada – Salmo 115.1 a 3
Jesus disse que não devemos temer o que pode nos fazer o homem:
Não tenham medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Antes, tenham medo daquele que pode destruir tanto a alma como o corpo no inferno – Mateus 10.28
Todo poder (autoridade) foi dado a Jesus Cristo:
Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra – Mateus 28.19
- O USO CORRETO DO PODER
Disse então Nabucodonosor: “Louvado seja o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, que enviou o seu anjo e livrou os seus servos! Eles confiaram nele, desafiaram a ordem do rei, preferindo abrir mão de suas vidas a que prestar culto e adorar a outro deus, que não fosse o seu próprio Deus. Por isso eu decreto que todo homem de qualquer povo, nação e língua que disser alguma coisa contra o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego seja despedaçado e sua casa seja transformada em montes de entulho, pois nenhum outro deus é capaz de livrar ninguém dessa maneira”. Então o rei promoveu Sadraque, Mesaque e Abede-Nego a melhores posições na província da Babilônia – Daniel 3.28 a 30
O que tudo que foi dito tem a ver com a sobrevivência em Babilônia?
Na Babilônia o que importa é ter e exercer poder. Poder para banir, cancelar, vingar-se, destruir reputações, fazer exposed, explorar trabalho infantil, explorar trabalho análogo à escravidão, invadir terras, desapropriar, extorquir, corromper, abusar, roubar, matar e destruir.
A sociedade pós-moderna (neo-babilônica) busca incansavelmente status, proeminência, visibilidade, poder aquisitivo e poder de influência.
Recentemente houve alguns incidentes que revelaram a atuação vergonhosa de líderes religiosos tóxicos no ambiente da igreja (nos EUA e na Austrália).
No Brasil a realidade não tem sido diferente.
Qual é o seu poder?
Que tipo de poder Deus lhe deu?
Você tem feito bom uso do poder que Deus lhe deu?
O PODER DA DISPOSIÇÃO
Jesus, o exemplo do uso correto do poder:
Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz! – Filipenses 2.5 a 8
Então, aproximou-se de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos e, prostrando-se, fez-lhe um pedido. “O que você quer? “, perguntou ele. Ela respondeu: “Declara que no teu Reino estes meus dois filhos se assentarão um à tua direita e o outro à tua esquerda”. Disse-lhes Jesus: “Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu vou beber? ” “Podemos”, responderam eles. Jesus lhes disse: “Certamente vocês beberão do meu cálice; mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder. Esses lugares pertencem àqueles para quem foram preparados por meu Pai”. Quando os outros dez ouviram isso, ficaram indignados com os dois irmãos. Jesus os chamou e disse: “Vocês sabem que os governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo; como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” – Mateus 20.20 a 28
Poder para edificar:
Portanto, que diremos, irmãos? Quando vocês se reúnem, cada um de vocês tem um salmo, ou uma palavra de instrução, uma revelação, uma palavra em língua ou uma interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja – 1 Coríntios 14.26
Poder para servir:
Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém serve, faça-o na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém! – 1 Pedro 4.10 e 11
Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor. Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo – Gálatas 5.13 e 14