A vereda do justo

A vereda do justo é como a luz da alvorada, que brilha cada vez mais até à plena claridade do dia – Pv 4.18 (NVI)

Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito – Pv 4.18 (ARC)

Tenham cuidado com a maneira como vocês vivem; que não seja como insensatos, mas como sábios, aproveitando ao máximo cada oportunidade, porque os dias são maus – Ef 5.15 e 16

 

INTRODUÇÃO

O contexto é de um provérbio antitético. Um provérbio antitético é uma forma de comunicar duas verdades complementares.

A vereda do justo é como a luz da alvorada, que brilha cada vez mais até à plena claridade do dia. Mas o caminho dos ímpios é como densas trevas; nem sequer sabem em que tropeçam – Pv 4.18 e 19

 

Waltke (2015, p.147) comenta o seguinte:

A metáfora predominante no salmo 1 e em provérbios é derek (“caminho”). Concretamente derek denota um caminho acessível e infere “um caminhar” que leva a um destino. No sentido figurativo “caminho” evoca três noções: 1) “curso de vida” (o caráter e contexto da vida); 2) “conduta de vida” (escolhas específicas e comportamento); 3) “consequências desta conduta” (o destino inevitável deste estilo de vida). Em síntese, “caminho” é uma metáfora para o nexo entre obra e destino.

 

O autor de Provérbios usa duas metáforas:

  1. A metáfora da vereda
  2. A metáfora da luz da alvorada

Ambas apontam para um progresso contínuo. Esse progresso contínuo do justo em seu caminhar é fruto do agir de Deus em sua vida.

Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus – Fp 1.6

 

Há nisso certa sinergia:

Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas em minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele – Fp 2.12 e 13

 

O agir de Deus não nos isenta de tomarmos parte nesse progresso rumo à perfeição cristã. A vida cristã é uma vida em progressão:

Cresçam, porém, na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, agora e para sempre! Amém – 2Pe 3.18

 

 

  1. A VEREDA NO JUSTO SEGUNDO O ANTIGO TESTAMENTO

Como é feliz aquele que não segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores! Ao contrário, sua satisfação está na lei do Senhor, e nessa lei medita dia e noite. É como árvore plantada à beira de águas correntes: Dá fruto no tempo certo e suas folhas não murcham. Tudo o que ele faz prospera! Não é o caso dos ímpios! São como palha que o vento leva. Por isso os ímpios não resistirão no julgamento, nem os pecadores na comunidade dos justos. Pois o Senhor aprova o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios leva à destruição! – Sl 1.1 a 6 (NVI)

O salmista faz algumas afirmações importantes sobre a vereda do justo:

  • Ela se difere do caminho dos ímpios – verso 1

Ashre haish asher – Bem-aventurado (é) aquele homem que…

Ashre – O sentido básico do substantivo hebraico ashre é “ser reto”, e no sentido mais amplo “ser equilibrado”, “correto”, “feliz”. O sentido figurado é estendido para “progredir”, “ser honesto”, “prosperar”, “ser abençoado”, “bem-aventurado”, com vínculos semânticos com os verbos “ir”, “guiar”, “liderar” e “aliviar”. O verbo traz consigo a ideia de “andar direito” – Pv 23.19 – “prosseguir”, “avançar”, “ser chamado de bem-aventurado” – Sl 72.17 – e ainda “ser feito feliz” – Pv 3.18.

No modo figurado significa “seguir um caminho correto” – Pv 9.6. O modo intensivo significa “andar direito”, “andar sem erros” ou ainda “prosperar”. Asher é o substantivo masculino hebraico usado para designar o estado de bem-aventurança de uma pessoa. Este substantivo é sempre usado para referir-se a seres humanos, nunca para se referir ao ser divino. Seu uso é quase totalmente restrito aos textos poéticos. Ele está associado à sabedoria – Pv 3.13; 8.32 e 34. Ele descreve uma pessoa ou nação que tem um relacionamento com Deus – Dt 33.29; Jó 5.17; Sl 33.12; 146.5. Nalguns lugares não possui contexto religioso – 1Rs 10.8; Pv 14.21; Ec 10.17 e Sl 137.8 e 9. (Stong, Verbete 835).

A LXX traz o substantivo grego makarios como o equivalente grego para ashre. Esse estado de bem-aventurança depende do favor do Senhor – Sl 84.11 e 12; é uma recompensa de confiar no Senhor – Sl 2.12; 34.8 e Is 30.18. Inclui aí a obtenção do perdão divino – Sl 32.1 e 2.

Waltke (2015, p. 132) afirma:

Conforme opinião de Diodóro, enquanto baruk se refere ‘à fonte bendita ou ambiente’ do piedoso, o uso aqui de ashre, ‘como é feliz aquele’ especifica a vida de experiência social e pessoal inteira, concedida à pessoa sábia, compreendida em todos os aspectos de estar ‘vivo’ diante de Deus. Esta verdade encontra eco nas beatitudes de Jesus ensinadas no Sermão do Monte em que a Palavra de Deus nos ensina dinamicamente uma nova forma de viver integralmente. Porquanto o próprio Cristo é a ‘vida beatífica’ e em rejeitá-lo só há morte. Interpretações pagãs e cristãs de ‘bênção’ ou ‘felicidade’ são contrastadas, embora cada uma das correntes possa conceber os conceitos como superlativos.

 

Haish – o homem, contração de anoshi – nós.

Procedente da raiz nephesh – lit. uma criatura que respira, um “ser vivente”. Geralmente se refere ao ser humano do sexo masculino, podendo significar também esposo – Os 2.16 a 18. Pode ser vertido por “aquele que”.

Mathias Grenzer observa que o justo, aqui designado como o bemaventurado, surge em cena sozinho. Ele se assemelha ao peregrino descrito nos salmos 120 e 121 que se vê sozinho em sua caminhada, cercado de perigos por todos os lados. Porém, sua solidão se dissipa quando se encontra com outros que peregrinam como ele em direção a Jerusalém – Sl 122. (Strong, verbete 376)

Asher – o qual, aquele, que. Esta partícula funciona aqui como pronome relativo primitivo. Também funciona como conjunção podendo significar “quando”, “onde”, “como”, “porque” e “para que”.

Lo halach baatzat reshaim – não anda nos conselhos dos ímpios.

Lo – Este advérbio de negação – “não”, “nem” – aparece diversas vezes no texto funcionando como elemento de contraposição e dando ao texto sua natureza dialética plena. Os verbos e substantivos seguintes afirmam aquilo que o ashre não faz. A função dos verbos e substantivos a seguir é de fazer um contraste enfático entre as escolhas do ashre e dos demais indivíduos citados em relação a cada verbo.

Halach – Este verbo na forma ativa Qal indica o ato de andar, sem uma conotação figurada em si mesmo. É o contexto quem indica se deve ser vertido como um andar literal ou se deve ser vertido em seu sentido figurado. O sentido figurado deve ser entendido como “portar-se”, “comportar-se”, “proceder”. O sentido figurado aponta para um “modo de vida” – 2Rs 20.3, Ec 11.9.

Baatzat – no conselho, nos planos, nos propósitos. O substantivo alude a deliberações pensadas e engendradas com objetivos claros em mente, em suma os planos, os ardis, as engenhosidades. O que está em foco é a não participação do ashre nos planos e projetos arquitetados pelos ímpios.

Reshaim – ímpios. O adjetivo declinado aqui no plural procede da raiz rasha que indica tanto um erro moral como uma pessoa má, condenada, culpada, perversa e injusta. O substantivo resha significa injustiça. O adjetivo rasha significa “malfeitor”, aquele que faz o mal intencionalmente e ainda “aquele que transgride a lei”.

O antônimo de resha é tzadik – o justo. O vocábulo, fartamente usado nos salmos (76 vezes) é sempre aplicado a pessoas que figuram como inimigas de Deus e de seu povo – Sl 17.13. Eles não aprendem a justiça e insistem em seus erros – Is 26.10. O Senhor matará os ímpios – Is 11.4. O termo é usado sempre em conexão com atitude rebelde e desafiadora a Deus e seus desígnios – Êx 9.27; Is 14.5; Nm 16.26; Ml 3.18; Ez 3.18; Gn 18.23, 25; Jó 10.3, 21.26; Pv 15.9; Mq 6.10; Jó 8.22, 21.7. Para os ímpios não há paz – Is 48.22. (Strong, verbete 7563)

Segundo Grenzer (2011, p. __) o ímpio, … é quem mostra um comportamento negativo, no sentido de desfavorecer a comunidade. É aquele que, por meio de suas palavras e/ou seus atos, se torna culpado, ameaçando a vida de inocentes. Isso porque o perverso trama contra o justo, […] a fim de fazer cair o oprimido e o pobre, ou seja, para degolar os homens retos (Sl 37.12,14).

Uvederech chattaim lo amad – nem na vereda dos pecadores se detém

Uvederech – e na vereda. O substantivo derech deriva-se do vocábulo darach que em seu sentido lato indica um caminho transitado por alguém em seu caminhar – Gn 3.24; Nm 22.23. No sentido figurado indica “um curso de vida”, “um modo de agir”; “costumes”; “pensamentos” e “destino” – Pv 3.6; Dt 8.6; 2Sm 22.22; Jr 5.4; 1Rs 22.52; Pv 2.13; 3.17 e 6.6. O que está em foco aqui é que o ashre, que é o justo, não partilha das ações e não segue os conselhos e práticas imorais dos pecadores. (Strong, verbete 1870)

Chattaim – O adjetivo procede da raiz chattaah que se refere a alguém que é criminoso, que ofendeu a lei, que se tornou por isso culpado, um transgressor. A LXX traduz o termo como hamartolos – aquele que falha, que erra o alvo, que fica aquém do objetivo. O termo está relacionado a chattaoth que é pecado, transgressão. O adjetivo aparece no texto em sua forma intensiva e define aquele que errando se desvia do bom caminho tornando-se culpado e passível de sofrer o dano que seu erro incorre. Os pecadores são alvos da ira de Deus – Sl 1.5. Eles serão destruídos – Gn 13.13, Sl 104.35; Is 1.28. A influência deles deve ser evitada – Sl 1.1; 26.9; Pv 1.10. (Strong, verbete 2400)

Grenzer (2011, p. __) observa: O paralelismo criado entre perversos e pecadores (cf. v. 1b.c) reforça essa compreensão da realidade. Nesse sentido, as tradições do Antigo Testamento qualificam a falta de solidariedade com os mais necessitados como pecado, avaliando essa postura como não correspondente à vontade do Senhor Deus.

Amad – deter-se, permanecer, ficar por algum tempo. O verbo indica a intenção e o ato de estabelecer-se em um lugar, habitar ali, tomar lugar entre as pessoas que já estão ali, estar presente. O que está em foco é que o ashre, o justo, não consegue permanecer no mesmo ambiente em que estão os pecadores. Há uma repulsa por parte do ashre em relação ao que acontece no ambiente onde os pecadores estão.

Uvemoshav letzim lo yashav – e na roda dos escarnecedores não se assenta

Uvemoshav – roda, assentamento, assembleia. O substantivo masculino moshav alude a um lugar onde os juízes de uma cidade se assentavam para julgar os assuntos referentes àquela cidade. A roda é o local onde os zombadores se reúnem para zombar de Deus, de suas leis e de seu povo. O termo pode ser usado para se referir a um assento, uma habitação, uma morada. Invariavelmente está relacionado ao ato de tomar assento – 1Sm 20.18; Jó 29.7. Assumir um lugar numa assembleia – Sl 107.32. Refere-se também ao local onde a assembleia acontece – 2Rs 2.19. Deus escolheu Sião para ser sua morada – Sl 132.13. (Strong, verbete 4186)

Letzim – zombadores, motejadores, escarnecedores. O adjetivo alude ao indivíduo que usa de zombarias, que moteja, que ridiculariza a tudo e a todos. O verbo faz alusão ao ato de desprezar, escarnecer de algo, afirmar que aquilo, ou aquela pessoa é desprezível e sem valor algum. O adjetivo ocorre apenas duas vezes em Salmos. Ocorre com frequência em Provérbios – 1.22, 3.34, 35, 9.7, 8,12, 13.1, 14.6, 7, 8, 15.12, 19.25, 29, 20.1, 21.24, 22.10, 29.8 e implica numa atitude profundo desprezo e vanglória. A atitude do zombador é uma abominação – Pv 24.9. O escarnecedor produz dores em suas vítimas – Jó 16.20, Sl 119.51 e Jr 20.7. Mas os zombadores serão punidos – Pv 3.34. Deus eliminará da face da terra o escarnecedor – Is 29.20. (Strong, verbete 3887)

Waltke (2015, p. 146-147), referindo-se ao ensino de Provérbios em relação aos zombadores e suas zombarias, esclarece que o adjetivo ocorre 14 vezes em Provérbios e o substantivo zombaria duas vezes em Provérbios e uma vez em Isaías: O problema espiritual destes zombadores está arraigado em presunção. A soberba desdenhosa os impede de ter acesso à sabedoria (14.6). Eles são geniais para a denúncia e difamação que impressiona os tolos, desde que se saiam bem (19.25, 21.11). Abrem a boca enorme e descarregam a tensão e a ira em uma comunidade, causando discórdia nela como um todo (22.10, 29.8) e a destroem (21.24, 22.10, 29.8).

A má influência dos zombadores é clara para a maioria (24.9). “Nenhum homem conquista mais ódio universal ou mercê ser mais odiado que aquele que exibe zombaria perpétua; que é incapaz de profunda lealdade e reverência e supõem que sua missão na vida é promover a corrosão dos valores pelos quais as pessoas e a sociedade vivem”. Para restaurar a ordem precisam ser expulsos da comunidade pela força (22.10). O próprio Deus finalmente zombará deles e desaparecerão (Is 29.20).

Grenzer (2011, p. __) comenta:

Nos textos paralelos, os zombadores aparecem como pessoas arrogantes que agem no ardor de sua insolência (Pr 21,24). Responsáveis por rixas, litígios e humilhações, agitam a cidade (cf. Pr 22,10; 29,8). Consequentemente, o zombador não anda com os sábios (Pr 15,12). Pelo contrário, quem tenta corrigir um zombador, apenas receberá humilhação e ódio como reação dele (cf. Pv 9,7-8).

 

Yashav – sentar-se, tomar assento, habitar, permanecer, estabelecer-se, tomar lugar. O verbo indica o ato de sentar-se no sentido literal. No sentido figurado significa tomar parte de uma reunião, participar das tomadas de decisões de um determinado grupo que se encontra deliberando sobre algo. O que está em foco aqui é que o ashre não acompanha os escarnecedores em suas práticas, ou seja, ele não despreza, zomba ou escarnece de Deus, de sua lei e de seu povo como faz o letzim.

Grenzer (2011, p. __) conclui:

Além de caracterizar os malvados como perversos, pecadores e zombadores, o poeta deixa claro que essa gente age de forma planejada. A palavra hebraica conselho (cf. v. 1b) poderia ser traduzida também por estratégia, desígnio, projeto ou ideia. Quer dizer, os maldosos atuam de forma consciente. Seus crimes são altamente qualificados. Implicações semânticas: Uma progressão nos verbos: andar, se deter, se assentar – Cada verbo traz consigo um nível de comprometimento. O andar antecede o deter-se e este ao assentar-se. Há um envolvimento cada vez maior ao qual o ashre se nega.

 

Possível identificação dos pecadores e zombadores com os ímpios – Talvez devamos ver os ímpios – reshaim – como pecadores – chattaim – e zombadores – letzim. A presença dos substantivos na forma plural indica que os ímpios sempre se unem como uma súcia de malfeitores – Sl 22.16. Enquanto ímpio ele despreza e desconsidera Deus em sua vida. Enquanto pecador ele despreza e transgride a Lei do Senhor. Enquanto zombador ele despreza e zomba do povo de Deus.

  • Deus conhece (aprova) a vereda do justo – verso 6

Ki-odea Adonai derech tzadikim – Pois conhece o Senhor a vereda dos justos

Ki-odea – pois conhece. Aprova, vê.

O verbo indica mais do que um conhecimento superficial, denota um conhecimento pessoal, uma experiência íntima com uma realidade da pessoa objeto desse conhecimento. O particípio indica um conhecimento ativo. O verbo yada – conhecer é usado também para relações íntimas – Gn 4.1. O Espírito de Deus perscruta – 1Co 10b e 11. (Strong, verbete 3045)

Grenzer (2011, p. __) comenta:

Marcante também é que, apenas em v. 6a, o Senhor atua pela primeira vez. Antes disso, o nome do Deus de Israel estava presente somente em v. 2a, quando o assunto foi o ensino, quer dizer, ou seja, a Torá do Senhor. Agora, por sua vez, se afirma que o Senhor é conhecedor do caminho dos justos. No texto hebraico do Salmo, trata-se de uma frase nominal, que chama a atenção do leitor pela ausência de um verbo finito. Com isso, a frase não é ligada a um determinado momento histórico. Muito mais, seu caráter é afirmar algo que vale sempre, no sentido de que o Senhor, em princípio ou eternamente é aquele que conhece o caminho dos justos.

 

E conclui:

A palavra conhecer merece maior atenção. Indica-se, com esse termo, a comunhão mais íntima possível, inclusive a relação íntima do ato sexual entre homem e mulher. Da mesma forma, o verbo conhecer marca a história entre o Senhor e seu povo. Por excelência, há de se lembrar Êx 2.23-25, onde se descreve a decisão divina de realizar o êxodo: Deus escutou seus gemidos […], Deus viu os filhos de Israel e Deus (os) conheceu.

 

Em relação ao Salmo 1, portanto, vale dizer que “o caminho do justo, em última instância, alcança êxito não por causa do esforço dele mesmo, mas porque o Senhor o conhece, ou seja, acompanha de forma preocupada e amável”.

 Adonai – Senhor – vide verso 2.

Derech – vereda, caminho, modo de vida. Vide verso 1.

Tzadikim – os justos – vide verso 5.

Vederech reshaim toved – (mas) e a vereda dos ímpios perecerá.

Vederech – e as veredas, caminhos, modo de vida. Vide verso 1.

Reshaim – os ímpios – vide verso 1.

Toved – perecerá, arruinará, será destruída, perder-se-á, morrerá, será conduzida à ruína, será quebrada, destruída, exterminada. O verbo avad traz consigo a ideia de perecimento – Lv 26.38. Está em vista a ruína total e plena do objeto em consideração – Nm 17.12. Como exemplo de ímpios que pereceram temos os cananeus – Nm 33.52 e Dt 12.2 e 3. (Strong, verbete 06)

Waltke (2015, p. 129) cita Agostinho: “(esta) é a verdade que não ser conhecido pelo Senhor é perecer e ser conhecido por ele é permanecer (vivo). Porque ser corresponde ao conhecimento de Deus e a não existência é não ser conhecido por Deus, porquanto o Senhor disse: Eu Sou o que sou.”

Grenzer (2011, p. __) finaliza seu artigo afirmando o seguinte:

Salmo 1 marca seu lugar -literariamente tão realçado no início do livro dos Salmos de forma bem definida. Defende o pensamento de que o homem, para alcançar a felicidade e ter êxito em tudo que faz, deve mostrar-se resistente à malvadeza e apaixonar-se pelo projeto da libertação dos oprimidos, de acordo com as tradições do êxodo. O destino dos que optam pela perversidade, porém, será outro. Os ventos da história, pois, encarregar-se-ão para levá-los embora. Mais ainda: é dessa forma que se aproxima um tempo futuro, no qual as assembleias serão formadas somente por justos. No entanto, há de se observar o detalhe mais importante: Salmo 1 cultiva a ideia de que se precisa de Deus para chegar a este tempo. Pois somente a esperança de que o Senhor conheça o justo, garantindo-lhe a vitória sobre os perversos, justifica a visão de um futuro melhor para toda a sociedade.

 

Waltke (2015, p. 156) conclui:

Como comentaristas antigos observaram, o nítido contraste do salmo entre justos e ímpios, parece contradizer a experiência humana em que as pessoas aparentam ser uma combinação de bem e mal. Entretanto, na verdade, o contraste entre aqueles que confiam em Deus e o amam, conforme demonstrado pelo compromisso com sua Palavra, e aqueles que confiam no eu e se amam, como manifesto pelo compromisso deles com o próprio entendimento, é um desfiladeiro intransponível. O contraste entre um coração regenerado e um não regenerado é tão grande como o contraste entre vida e morte.

 

  • Há um motivo para que a vereda do justo se distinga do caminho dos ímpios e esse motivo está no deleite do justo – verso 2

Ki im betorat Adonai cheftzo – Mas na Lei do Senhor se deleita

Ki im – A conjunção adversativa pode ser traduzida como “antes, porém”, “ao invés disso”, mas, antes” ou ainda “pelo contrário”. Esta expressão estabelece o primeiro grande contraste entre o justo e o ímpio – o tzadik e o resha. O estilo de vida de ambos é um contraste absoluto. O que é apreciado por um é desprezado pelo outro. Se o ímpio ama seguir seus próprios conselhos, se alegra por andar nas veredas dos pecadores e se compraz em assentar-se na roda dos escarnecedores, são essas as associações e práticas rejeitadas pelo justo.

Betorat – na Lei, na instrução, na orientação.

O substantivo feminino deriva de yarah que significa “fluir”, “atirar”, “lançar”, “dirigir”, “informar”, “mostrar”, “ensinar”. O substantivo alude ao ensino e instrução em geral – Jó 22.22; Pv 1.8, 6.20, 13.14 e 28.4. Os rebeldes não a aceitam – Is 30.8 e 9. Os escribas a perverteram – Jr 8.8; Is 1.10, 5.24 e 8.20. Os sacerdotes a desconsideravam – Jr 2.8; Os 4.6; e Dt 17.11. O termo pode ser vertido como lei, ordenança, mandamento, decreto e exigências. Geralmente o termo faz uma alusão direta ao Deuteronômio – Dt 1.5; 1Rs 2.3; Ne 8.1; Js 24.26; Sl 1.2; Ne 10.28; 1Rs 2.3; 2Rs 10.31, 14.6, 23.25. No salmo 119 o termo parece 25 vezes. O termo Torah tem sido aplicado nas Escrituras para referir-se a um abundante material narrativo que narra a história da salvação do povo de Deus e farto material jurídico que o acompanha. (Strong, verbete 8451)

Grenzer (2011, p. __) comenta:

Em vista da importância desse termo para a compreensão do Salmo 1, é bom insistir num estudo mais exato. Ensino é a tradução da palavra hebraica Torá. Seria também possível traduzir Torá por instrução. Para o autor do Salmo 1 — assim como para a comunidade de seus ouvintes israelitas —, esse ensino encontra-se, fixado por escrito, nos cinco livros de Moisés, cujo conjunto os cristãos chamam de Pentateuco. Trata-se, na realidade, dos livros bíblicos Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. E conclui: Por isso, seria errado definir o conjunto da Torá – e, por consequência, traduzir a palavra Torá — como “lei”, algo que acontece em diversas traduções do Salmo 1.

 

Mais correto é falar de ensino ou de instrução, pois, no caso da Torá, trata-se de um amplo ensino que se forma a partir de uma experiência histórica de libertação — no sentido de que o projeto do êxodo representa a vontade salvadora do Senhor Deus em favor do povo dos oprimidos — e a concretização dela em um direito. Juntas, as duas partes estabelecem o ensino, o qual quer definir o rumo do povo bíblico para todos os tempos.

Adonai – Senhor. Esse é o nome particularmente usado pelos escritores sacros para referir-se ao Deus de Israel no contexto de aliança. Adonai é o dono, o esposo, o senhor, aquele que é o possuidor, o proponente suserano da aliança havida entre ele e Israel. Embora a derivação do nome seja incerta, muitos estudiosos concordam que seu significado básico seja o contexto da revelação de Deus concedida a Moisés em Êx 3.14.

Na origem do vocábulo está a afirmação da auto-existência de Deus em contrapartida a tudo que por maio dele “veio a existir”. Deus afirma a respeito de si “ser, aquele que é sendo sempre”. O tetragrama YHWH cuja sonoridade se perdeu com o tempo, ou, como afirmam alguns rabinos, jamais foi conhecida, é geralmente escrita sem vogais. Alguns vertem o hebraico como Yahweh, outros preferem usar a designação hashem – lit. o nome – para substituir o vocábulo em suas orações e leituras do texto sagrado. (Strong, verbete 3068)

Cheftzo – se deleita, tem prazer, se alegra, tem seu contentamento. O substantivo chephes faz alusão ao prazer, desejo supremo, alegria e valor, aquilo que agrada, tudo o que se deseja, aquilo que é aprazível, precioso, aquilo que apraz, o que é de bom grado. A ideia básica do termo é a inclinação do coração de quem se deleita em algo que causa nele um sentimento físico de prazer e grande afeição – Ml 3.12; Pv 31.13; Sl 111.2; Is 46.10 e 48.14. (Strong, verbete 2656)

Grenzer (2011, p. __) observa:

O homem feliz do Salmo 1 não é uma pessoa que apenas sabe dizer não (cf. o triplo uso da negação não no v. 1b.c.d). Não limita sua vida a uma postura de oposição e resistência ante os perversos, pecadores e zombadores. Por mais que tenha mostrado exatamente essa atitude no decorrer de sua vida— observe que os verbos em v. 1 se referem ao passado! —, por detrás desse comportamento encontra-se uma motivação positiva. Com outras palavras: o protagonista do Salmo 1 é alguém capaz de sentir prazer (cf. v. 2a), e isso durante o dia e durante a noite (cf. v. 2b).

 

Uvetorato yehgeh yomam valayellah – e na lei dele (do Senhor) medita de dia e de noite

Yegeh – gemer, pronunciar sons inarticulados, suspirar, murmurar, falar baixinho, considerar atentamente, ruminar. A raiz do verbo é haghah que significa imaginar, meditar, lamentar, murmurar – Js 1.8 e Jó 27.4. Em Is 38.14 refere-se ao gemido de uma pomba. (Strong, verbete 1897)

Waltke (2015, p. 151) cita, em nota de rodapé, trecho de um sermão de Thomas Watson que vale a pena ser mencionado aqui:

Esforce-se para lembrar o que você leu (cf. Mt 13.4, 19) […] A memória deveria ser como a arca, onde a lei foi posta […] Alguns podem muito bem lembrar de itens das notícias do que uma linha das Escrituras; a memória deles é como um lago, onde sapos vivem, mas os peixes morrem […] Na meditação, deve haver a fixação de pensamentos sobre o objeto […] Meditação é a mistura da Escritura: Leitura traz a verdade para a nossa cabeça; meditação a traz para nosso coração. Leitura e meditação precisam, como Castor e Pólux, estar juntas. Meditação sem leitura é errada; leitura sem meditação é estéril. A abelha suga a flor, então trabalha o néctar na colmeia e assim o transforma em mel. Ao lermos, sugamos o néctar da Palavra; pela meditação, trabalhamos na colmeia de nossa mente e essa meditação se torna proveitosa. Meditação são as profundezas da afeição; ‘enquanto eu meditava, o fogo aumentava’ (Sl 39.3). A razão pela qual vamos embora tão frios, depois da leitura da Palavra, é porque não nos aquecemos no fogo da meditação”. (Puritans Sermons, Vol. 2, p. 61-62)

 

Yomam valayellah – de dia e de noite. Literalmente se refere ao decurso do dia e da noite. Figuradamente é uma afirmação que implica em prática habitual. Não se deve achar que o justo só medita e não faz mais nada em sua vida. O justo faz do hábito da meditação na Lei do Senhor uma prática contínua, ou seja, ele frequentemente, sempre que pode, medita na Lei do Senhor. O justo não fica muito tempo sem considerar sobre a Lei do Senhor. Ele retoma essa prática de tempos em tempos, cotidianamente, seja quando tudo está indo como planejara ou quando tudo caminha no sentido contrário. A Lei do Senhor é o seu referencial de vida e a ela ele reporta em todas as circunstâncias.

Grenzer (2011, p. __) conclui: Afinal, a ideia de a pessoa desenvolver uma verdadeira paixão pelo ensino de Senhor encontra sua última razão na qualidade e na finalidade dessa instrução, pois se afirma que a Torá do Senhor é perfeita e capaz de devolver o alento à pessoa humana (cf. Sl 19,8). Uma vez que a vida confirme essa experiência, realmente pode-se afirmar: Felizes os que andam conforme a Torá do Senhor (Sl 119,1) e se comprazem muito com seus mandamentos (cf. Sl 112,1)

 

 

  1. IMPLICAÇÕES NEOTESTAMENTÁRIAS DA VEREDA DO JUSTO

Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á. Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma? Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras – Mt 16.24 a 27

 

Tese:

A vereda do justo, segundo o padrão neotestamentário é uma vida de seguimento a Cristo o Justo, que também é o caminho. Seguir a Cristo equivale a andar na vereda do justo.

Argumentação:

  1. Assim como o justo (o ashere do salmo 1) renuncia os caminhos dos ímpios, o discípulo de Jesus renuncia uma vida ensimesmada para trilhar a vereda do justo, uma vida de consagração a Deus e dedicação ao próximo.

O discípulo de Jesus sabe que uma vida que vale a pena ser vivida não pode ser uma vida de deleites mundanos. Assim como Jesus viveu e morreu fazendo a vontade de Deus e não a sua própria, o discípulo se esforça por conhecer e fazer a vontade de Deus.

Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus – Rm 12.1 e 2

 

  1. Assim como o justo (o ashere do salmo 1) tem prazer na Lei do Senhor, o discípulo de Cristo tem prazer em seguir a Cristo, permanecendo em comunhão com ele e obedecendo aos seus mandamentos.

Jesus disse:

Se vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e lhes será concedido. Meu Pai é glorificado pelo fato de vocês darem muito fruto; e assim serão meus discípulos. Como o Pai me amou, assim eu os amei; permaneçam no meu amor. Se vocês obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço. Tenho lhes dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa. O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu os amei – Jo 15.7 a 12

 

  1. Seguir a Cristo deve ser algo tão prazeroso que torne insignificante a renúncia de si mesmo. O objetivo da renúncia é o seguimento a Cristo. Não há razão para renunciar algo se não for para obter outra coisa mais valiosa e digna de tal renúncia.

Não amem o mundo nem o que nele há. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo — a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens — não provém do Pai, mas do mundo. O mundo e a sua cobiça passam, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre – 1Jo 2.15 a 17

 

  1. Assim como as renúncias do justo (o ashere do salmo 1) são em função do prazer dele na Lei do Senhor, as renúncias do discípulo de Jesus são em função do prazer de segui-lo.

Então Pedro lhe respondeu: Nós deixamos tudo para seguir-te! Que será de nós? Jesus lhes disse: “Digo-lhes a verdade: Por ocasião da regeneração de todas as coisas, quando o Filho do homem se assentar em seu trono glorioso, vocês que me seguiram também se assentarão em doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel. E todos os que tiverem deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos, por minha causa, receberão cem vezes mais e herdarão a vida eterna – Mt 19.27 a 29

 

CONCLUSÃO

A vereda do justo se apresenta a nós, discípulos de Jesus, um desafio a ser enfrentado a cada dia.

Seguindo a Jesus Cristo, como Jesus quer ser seguido iremos experimentar a verdade de que a vereda do justo é mesmo “como a luz da alvorada “que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito.

Essa, com certeza, é a vontade de Deus para todos nós.

Que Deus nos ajude.

Amém

Publicar um comentário