A essência do evangelho

Quando, porém, Pedro veio a Antioquia, enfrentei-o face a face, por sua atitude condenável. Pois, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele comia com os gentios. Quando, porém, eles chegaram, afastou-se e separou-se dos gentios, temendo os que eram da circuncisão. Os demais judeus também se uniram a ele nessa hipocrisia, de modo que até Barnabé se deixou levar. Quando vi que não estavam andando de acordo com a verdade do evangelho, declarei a Pedro, diante de todos: Você é judeu, mas vive como gentio e não como judeu. Portanto, como pode obrigar gentios a viverem como judeus? Nós, judeus de nascimento e não ‘gentios pecadores’, sabemos que o ninguém é justificado pela prática da lei, mas mediante a fé em Jesus Cristo. Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da lei, porque pela prática da lei ninguém será justificado. “Se, porém, procurando ser justificados em Cristo descobrimos que nós mesmos somos pecadores, será Cristo então ministro do pecado? De modo algum! Se reconstruo o que destruí, provo que sou transgressor. Pois, por meio da lei eu morri para a lei, a fim de viver para Deus. Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim. Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça vem pela lei, Cristo morreu inutilmente! – Gálatas 2.11-21

 

INTRODUÇÃO

Uma mensagem homenagem a Timothy Keller (1950-1923)

Paulo menciona, num incidente controverso, os nomes de Pedro, Tiago e Barnabé. Isso pode parecer de muito mau gosto e indelicadeza.

Por que Paulos os mencionou?

Paulo discordou da postura de Pedro por agir dissimuladamente:

Quando, porém, Pedro veio a Antioquia, enfrentei-o face a face, por sua atitude condenável. Pois, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele comia com os gentios. Quando, porém, eles chegaram, afastou-se e separou-se dos gentios, temendo os que eram da circuncisão. Os demais judeus também se uniram a ele nessa hipocrisia, de modo que até Barnabé se deixou levar – Gálatas 2.11-13

 

Paulo chamou a postura de Pedro de hipocrisia. Antes de Tiago e os cristãos judeus chegarem a Antioquia ele estava comendo e conversando com cristãos gentios. A chegada dos cristãos judeus fez ele mudar de atitude. Essa mudança repentina revelava uma mentalidade exclusivista e de superioridade racial. Pedro estava negligenciando alguns elementos essenciais do evangelho. É bom ressaltar que esse incidente foi posterior à experiência de Pedro em Jope:

Pedro, então, começou a explicar-lhes exatamente como tudo havia acontecido: Eu estava na cidade de Jope orando; caindo em êxtase, tive uma visão. Vi algo parecido com um grande lençol sendo baixado do céu, preso pelas quatro pontas, e que vinha até o lugar onde eu estava. Olhei para dentro dele e notei que havia ali quadrúpedes da terra, animais selvagens, répteis e aves do céu. Então ouvi uma voz que me dizia: ‘Levante-se, Pedro; mate e coma’. Eu respondi: De modo nenhum, Senhor! Nunca entrou em minha boca algo impuro ou imundo. A voz falou do céu segunda vez: ‘Não chame impuro ao que Deus purificou’. Isso aconteceu três vezes, e então tudo foi recolhido ao céu – Atos 11.4-10

 

Pedro já deveria ter aprendido essa lição, mas, sendo influenciável ele se deixou levar pelo erro de achar que os cristãos judeus eram superiores aos cristãos gentios por observar alguns ritos da lei mosaica.

 

IGREJA CENTRADA – TIMOTHY KELLER

RESENHA

No tópico dedicado ao tema Evangelho, Timothy Keller elucida a importância de um equilíbrio saudável da mensagem do Evangelho, ou seja, das boas novas da salvação. O autor enfatiza este ponto em razão de muitas vezes as igrejas viverem os extremos do pêndulo, tornando-se assim legalistas ou religiosos, passando a pregar um evangelho a respeito daquilo que nós podemos fazer para alcançar a salvação, um evangelho alicerçado nas obras do homem e não nas obras de Cristo. Entretanto, o outro extremo destacado pelo autor nesta seção do livro é o perigo do outro extremo, ou seja, do relativismo ou irreligião, onde os indivíduos, diferentemente dos religiosos, não se preocupam com o modo de vida que levam, pois creem que Deus ama a todos de maneira indistinta.

Contudo, Keller neste bloco demonstra que não há apenas duas formas de se viver o cristianismo, mas sim, que há uma terceira forma e esta é a partir do Evangelho. O autor enfatiza que toda a teologia, bem como o modus operandi da igreja deve ser moldado pela grande verdade presente no Evangelho, que Cristo encarnou-se, morreu, ressuscitou, foi elevado aos céus e que de lá voltará. Tal visão torna-se necessária, pois elimina toda e qualquer possibilidade de crença numa salvação por obras, ou de uma licenciosidade de práticas, mas sim de que essa boa notícia a respeito de Cristo gera uma profunda dependência d’Ele, bem como a única chave para uma verdadeira transformação do viver humano. (Rodolfo Rodrigues Sales)

 

  1. NÓS CREMOS EM CRISTO JESUS

Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo – Gálatas 2.16b

 

Havia da parte dos cristãos judeus uma compreensão equivocada do evangelho. Eles raciocinavam:

Fé em Cristo + obediência à lei = salvação

Obediência à lei significava circuncisão, guarda do sábado, ritos de purificação e outras práticas que se relacionam aos aspectos rituais da lei mosaica.

Paulo discorda dessa equação. O evangelho afirma:

Fé em Cristo = salvação

E onde fica a obediência?

A obediência aos aspectos éticos da lei – amar a Deus e ao próximo – são consequências da aquisição da salvação por graça mediante a fé em Cristo.

Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de quem obtivemos acesso pela fé a esta graça na qual agora estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus – Romanos 5.1 e 2

 

Paulo defende que a fé em Cristo é mais que suficiente. Não há necessidade alguma de acrescentar algo a ela.

Quando cremos em Cristo a obediência de Cristo se torna nossa obediência.

Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus – 2 Coríntios 5.21

 

Keller comenta:

O evangelho não diz respeito ao que fazemos, mas ao que foi feito por nós; mesmo assim o evangelho resulta em um modo de viver completamente novo. A graça e as boas obras dela resultantes precisam tanto ser distinguidas como associadas. O evangelho, seus resultados e suas implicações precisam estar cuidadosamente relacionados entre si – não podem ser confundidos nem separados. (Keller, Igreja Centrada, p. 33)

 

É somente a partir da aquisição de nossa salvação que somos habilitados, pela graça de Deus, a obedecer à lei de Deus. Antes de nascer de novo toda a nossa suposta obediência é marcada pelo orgulho, ansiedade, egoísmo e hipocrisia.

  1. PELA PRÁTICA DA LEI NINGUÉM SERÁ JUSTIFICADO

Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da lei, porque pela prática da lei ninguém será justificado – Gálatas 2.16

 

Nada que façamos pode efetivamente garantir a nós alguma justificação perante Deus.

Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos – Efésios 2.8-10

 

Sabemos que tudo o que a lei diz, o diz àqueles que estão debaixo dela, para que toda boca se cale e todo o mundo esteja sob o juízo de Deus. Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à lei, pois é mediante a lei que nos tornamos plenamente conscientes do pecado. Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que creem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus. Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; mas, no presente, demonstrou a sua justiça, a fim de ser justo e justificador daquele que tem fé em Jesus. Onde está, então, o motivo de vanglória? É excluído. Baseado em que princípio? No da obediência à lei? Não, mas no princípio da fé. Pois sustentamos que o homem é justificado pela fé, independente da obediência à lei – Romanos 3.19-28

 

Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus, porque por meio de Cristo Jesus a lei do Espírito de vida me libertou da lei do pecado e da morte. Porque, aquilo que a lei fora incapaz de fazer por estar enfraquecida pela carne, Deus o fez, enviando seu próprio Filho, à semelhança do homem pecador, como oferta pelo pecado. E assim condenou o pecado na carne, a fim de que as justas exigências da lei fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo a carne, mas segundo o Espírito – Romanos 8.1-4

 

Já os que são pela prática da lei estão debaixo de maldição, pois está escrito: Maldito todo aquele que não persiste em praticar todas as coisas escritas no livro da Lei”. É evidente que diante de Deus ninguém é justificado pela lei, pois “o justo viverá pela fé”. A lei não é baseada na fé; pelo contrário, “quem praticar estas coisas, por elas viverá”. Cristo nos redimiu da maldição da lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está escrito: “Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro”. Isso para que em Cristo Jesus a bênção de Abraão chegasse também aos gentios, para que recebêssemos a promessa do Espírito mediante a fé – Gálatas 3.10-14

 

Vocês, que procuram ser justificados pela lei, separaram-se de Cristo; caíram da graça. Pois é mediante o Espírito que nós aguardamos pela fé a justiça que é a nossa esperança. Porque em Cristo Jesus nem circuncisão nem incircuncisão têm efeito algum, mas sim a fé que atua pelo amor – Gálatas 5.4-6

 

A ideia de que possamos ser justificados perante Deus por obediência à lei produz em nós efeitos contrários ao evangelho:

  1. Orgulho

A alguns que confiavam em sua própria justiça e desprezavam os outros, Jesus contou esta parábola: “Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro, publicano. O fariseu, em pé, orava no íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho’. “Mas o publicano ficou à distância. Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador’. “Eu lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus. Pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” – Lucas 18.9-14

  1. Egoísmo

Quando pensamos em termos de méritos temos a tendência de nos concentrar em nós. Se todo o meu esforço é no sentido de obter a salvação, todo o bem que eu fizer, no final das contas, é feito em meu próprio proveito.

  1. Ansiedade

Quanta obediência é suficiente para se alcançar a salvação?

Quanta caridade deve ser feita?

Quem define o quanto basta?

  1. Hipocrisia

A religião baseada na desenvoltura produz hipócritas:

Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês devem praticar estas coisas, sem omitir aquelas. Guias cegos! Vocês coam um mosquito e engolem um camelo. Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça. Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo e do prato, para que o exterior também fique limpo. Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade – Mateus 23.23-28

 

  • NÃO SOU EU QUEM VIVE, MAS CRISTO VIVE EM MIM

Pois, por meio da lei eu morri para a lei, a fim de viver para Deus. Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim – Gálatas 2.19 e 20a

 

A verdadeira vida cristã é vida substituída.

De fato, no devido tempo, quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios. Dificilmente haverá alguém que morra por um justo; pelo homem bom talvez alguém tenha coragem de morrer. Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores. Como agora fomos justificados por seu sangue, muito mais ainda seremos salvos da ira de Deus por meio dele! Se quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto mais agora, tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua vida! – Romanos 5.6-10

 

O major Ian Thomas costumava dizer:

Não há nada tão nauseante ou patético quanto a carne tentando ser santa! A carne tem uma tendência pervertida para com a justiça – porém tal justiça que ela consegue obter é sempre justiça-própria; e justiça-própria é sempre justiça autoconsciente; e justiça autoconsciente é sempre repleta de auto-louvor. Esta atitude produz o extrovertido, que sempre precisa ser notado, reconhecido, consultado e aplaudido. Por outro lado, quando a carne, em sua busca por justiça-própria fracassa, ela se enche de auto-piedade, que por sua vez produz o introvertido. De fato, um caso perfeito para terapeutas profissionais! (Major Ian Thomas, Salvos pela Vida de Cristo. Grand Rapids: Zondervan, 1961, p. 85)

 

  1. ASSIM, NÃO ANULO A GRAÇA DE DEUS

Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça vem pela lei, Cristo morreu inutilmente! – Gálatas 2.21

 

Paulo denuncia o falso evangelho afirmando que ele nega a eficácia da morte de Cristo na cruz. Se alguém puder alcançar a salvação por meio de obediência à lei esse alguém não precisa de Jesus Cristo.

Paulo foi bem enfático:

E, se é pela graça, já não é mais pelas obras; se fosse, a graça já não seria graça – Romanos 11.6

 

Portanto, que diremos do nosso antepassado Abraão? Se de fato Abraão foi justificado pelas obras, ele tem do que se gloriar, mas não diante de Deus. Que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça. Ora, o salário do homem que trabalha não é considerado como favor, mas como dívida. Todavia, àquele que não trabalha, mas confia em Deus que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça. Davi diz a mesma coisa, quando fala da felicidade do homem a quem Deus credita justiça independente de obras: Como são felizes aqueles que têm suas transgressões perdoadas, cujos pecados são apagados. Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa – Romanos 4.1-8

 

Timothy Keller comenta:

O evangelho não é apenas o a – bê – cê, mas o a – a – zê da vida cristã. É impreciso achar que o evangelho é que salva os não cristãos e depois os cristãos amadurecem pelo árduo esforço de viverem segundo os princípios bíblicos. É mais exato dizer que somos salvos por crer no evangelho e depois somos transformados em cada aspecto da nossa mente, de nosso coração e da nossa vida ao crermos no evangelho de forma cada vez mais profunda, à medida que vivemos. (Keller, Igreja Centrada, p. 57)

 

CONCLUSÃO

Se o falso evangelho produz orgulho, ansiedade, egoísmo e hipocrisia, o evangelho de Cristo deve produzir em nós humildade, confiança, altruísmo e sinceridade.

O objetivo desta instrução é o amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera – 1 Timóteo 1.5

 

Que Deus nos ajude

Amém

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